Minha mãe, cabeleireira
Minha mãe foi cabeleireira por mais de 50 anos. Começou aos 14 sem falar português. Abriu um salão com 16 junto com minha tia, que tinha apenas 13. Meu avô tinha feito ele mesmo os móveis do salão e abriu-lhes este caminho para que não trabalhassem mais na lavoura. No primeiro dia de portas abertas e placa na rua, elas simplesmente se sentaram e esperaram a primeira freguesa aparecer. Não teve lançamento, nem estardalhaço, apenas uma placa na porta, numa rua de uma cidade pequena. Demorou um bocado, mas finalmente alguém confiou os cabelos àquelas duas meninas e assim começou uma longa jornada que duraria uma vida inteira, um casamento e 3 filhos. O trabalho da minha mãe sempre pareceu normal pra mim, afinal foi o que ela sempre fez, e, de certo modo, ela sempre fez parecer fácil. O simples exercício de me imaginar em seu lugar me apavora. Penso na freguesa que tem expectativas muito altas em relação à própria imagem, naquelas que querem o cabelo da famosa, mas que têm fios completamente diferentes, no desafio de dar forma a uma massa de cabelos que eu não sei direito como vai se comportar depois, nos diferentes tipos de fios e caimentos. Enfim, é muita coisa pra dar errado! Esse pensamento analítico demais que desmembra a situação em pedacinhos pode ser muito útil numa avaliação científica, mas, muitas vezes, nos tira a percepção do que realmente importa. A simplicidade do pensamento das pessoas que tem poucas opções na vida, como minha mãe, me ensinam demais. Elas apenas fazem e aprendem fazendo, com medo mesmo, sem nenhuma intenção de estarem "prontos" pra começar. Se alguém não gostar do trabalho, é normal, "quem sou eu pra agradar todo mundo?".
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Recebo, com alguma frequência, relatos de pessoas que só costuram peças para presentear, que não acham que seus produtos são bons o suficiente para serem vendidos. Venda assim mesmo, se este for seu desejo. Você vai encontrar no seu caminho pessoas muito maravilhosas que não vão se importar com as imperfeições do seu trabalho e vão comprar seu produto, vão comprar de novo, vão acompanhar a evolução do seu trabalho, e ainda vão recomendar para as amigas. Tudo isso sem nem ao menos te conhecer. Nós tivemos no nosso comecinho um tanto dessas pessoas ao nosso redor, que eu vejo como almas radiosas, abertas para o mundo. Vários nomes insistiam em se repetir nas caixas dos correios que saíam da nossa bancada. Aquilo me emocionava demais. Não vou citá-las nominalmente, mas algumas ainda estão aqui junto com a gente nessa longa travessia de 15 anos e tenho certeza que elas sabem quem são.
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Portanto,
Comece. Estude. Melhore.
Mas coloque seu bonde na rua, afinal quem é você pra agradar todo mundo?
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